Acolhendo pedido liminar feito em ação civil pública proposta pela 1ª Promotoria de Justiça de Crixás, o juiz Alex Alves Lessa determinou o afastamento provisório do Secretário de Saúde de Crixás, Flávio Dietz Ferreira, pelo prazo de até 180 dias ou até o término da instrução processual, em razão da prática de inúmeros atos de improbidade administrativa, os quais vêm prejudicando a prestação dos serviços de saúde pública no município. A decisão determinou ainda o bloqueio de bens do secretário, no valor de R$ 275.966,70, e do prefeito, Plínio Luís Nunes de Paiva, no montante de R$ 452 mil. Os valores correspondem a dez vezes a remuneração de cada réu.
Na ação, proposta pelo promotor de Justiça Caio Affonso Bizon, é apontado o enorme número de reclamações recebidas pela promotoria local referente a diversos assuntos relacionado à precariedade da saúde pública municipal, entre eles a falta de medicamentos básicos, suspensões de cirurgias, atrasos de pagamentos a profissionais de saúde, descontrole dos procedimentos de regulação para consultas, exames e demais procedimentos de saúde a serem realizados em outras cidades.
Conforme sustentado pelo promotor, a má prestação do serviço público pelo município “extrapolou os limites da razoabilidade vivenciada em outras localidades, em gravoso e irreversível prejuízo aos direitos fundamentais mais caros da coletividade (vida, saúde, dignidade), mesmo com as constantes intervenções extrajudiciais e judiciais do Ministério Público, por meio de ofícios, recomendações, reuniões e ações para tutela de direitos individuais frequentemente propostas na Comarca de Crixás (mandados de segurança e ações sob o procedimento ordinário)”. Ele acrescentou que até mesmo as decisões judiciais são deliberadamente descumpridas pelo secretário e o prefeito.
Para Caio Bizon, não é exagero afirmar que a Promotoria de Justiça de Crixás tornou-se, aos olhos da administração pública municipal, “intermediadora” do cumprimento do direito à saúde da população local, a ponto de a orientação para procurar o Ministério Público ser transmitida, em diversos casos, pelos próprios servidores da Secretaria Municipal de Saúde, como etapa necessária para justificar a aquisição de medicamentos em compras direta, “numa panaceia para o descontrole, desorganização e precariedade da gestão pública da saúde”.
Ele relata ainda que, em muitos casos, a Secretaria Municipal de Saúde de Crixás apenas fornece o medicamento ao paciente após a expedição de ofício pela Promotoria de Justiça, o que implica dizer que há a inclusão proposital de uma etapa para atrasar o cumprimento do direito de saúde do cidadão, que já havia se dirigido inicialmente ao órgão municipal, sem sucesso.
Descumprimento de medidas
Na ação, o promotor lista ao menos 26 atos de improbidade de que levaram à atual situação da saúde pública municipal, assim como apresenta alguns descumprimentos legais (clique aqui para ler a íntegra da ação). Entre os atos descumpridos pelo município está a determinação judicial para adequar o Hospital Municipal de Crixás às normas sanitárias. A decisão, que acolheu ação civil pública proposta pelo MP-GO, apesar de ter sido proferida em 2014, ainda não foi integralmente cumprida. Após o trânsito em julgado da sentença, a Secretaria Estadual da Saúde empreendeu três vistorias no Hospital Municipal, em maio de 2016, agosto de 2017 e setembro de 2018, ocasiões em que se constatou que as irregularidades persistiam.
Assim, ao analisar a situação apresentada pelo MP, o juiz Alex Lessa afirmou que “muito mais do que proteção da minoria, o princípio da democracia representativa não pode jamais significar um cheque em branco para o representante eleito pelo povo fazer o que bem entender. Como geralmente atos de corrupção estão atrelados a uma noção patrimonialista, quase sempre também representam clara violação não somente do princípio da legalidade e da igualdade”.
O magistrado ponderou ainda que a intervenção do Poder Judiciário neste caso é uma questão social, “cuja dimensão não depende do desejo ou da vontade do órgão judicante. Ao revés, deriva de uma série de fatores originalmente alheios à jurisdição, dentre os quais: maior e mais amplo reconhecimento de direitos pela Constituição; ineficiência do Estado em implementá-los”.
Ele acrescentou que, conforme certidões, documentos e depoimentos juntados pelo Ministério Público, sistematicamente o prefeito de Crixás e o secretário municipal de Saúde não respondem a ofícios e requisições do próprio Ministério Público e também do Conselho Municipal de Saúde, em total afronta ao princípio republicano que exige o dever de prestação de contas e de transparência por parte do mandatário de um cargo eletivo no trato com a coisa pública. Para o magistrado, a situação viola o princípio do constitucionalismo, não apenas pela desconsideração dos princípios da Administração Pública previstos no artigo 37, da Constituição Federal, mas, sobretudo, pelo descumprimento reiterado de ordens judiciais em diferentes processos, que atentam contra a efetividade do direito fundamental à saúde, em situações concretas de risco de vida, ofensa à integridade física e à dignidade humana.
“Os documentos juntados na inicial revelam, de modo preocupante, a existência de provável e inaceitável omissão inconstitucional, má gestão, negligência e descaso com a saúde pública municipal, além de descumprimento sistemático de ordens judiciais relacionadas ao direito fundamental à saúde e de possível uso político da pasta da saúde para beneficiar aliados e suprimir fila de espera na rede pública”, afirmou o juiz.
Danos morais coletivos
Ainda em caráter liminar (leia aqui a decisão), foi determinado ao município a realização direta ou indireta, por meio de encaminhamento a outros hospitais, às custas do erário, de procedimentos médicos pertinentes a pacientes em fila de espera de cirurgias do Hospital Municipal de Crixás. Do mesmo modo, que o município realize direta ou indiretamente, por meio de encaminhamento a outros estabelecimentos de saúde, a serem pagos pelo erário, exames de Raio-X e demais procedimentos clínicos de atenção básica aos usuários do hospital, de modo imediato em relação aos casos urgentes, sem prejuízo de agendamentos em casos não urgentes, devendo-se comprovar nos autos, de modo objetivo e com documentos, as medidas adotadas, ainda que progressivamente a cada mês, sob pena de multa de R$ 10 mil para cada situação negligenciada e comprovada nos autos.