O Município de Goiânia foi condenado a pagar indenização por danos morais de R$ 70 mil a um casal pelo nascimento de uma filha sem planejamento. Ela foi gerada após a mãe ter passado a usar Dispositivo Intrauterino (DIU), instalado em maternidade de responsabilidade do Poder Pública Municipal. A sentença foi proferida pelo juiz José Proto de Oliveira, da 4ª Vara da Fazenda Pública Municipal e de Registro Público de Goiânia, pouco antes dele ser promovido a desembargador do Tribunal de Justiça de Goiás.
Para o julgador, a vontade dos autores era de não ter mais filhos. Por isso, ele entende que foram vilipendiados em seu direito ao livre planejamento familiar, respaldado no artigo 226, parágrafo 7º, da Constituição Federal.
O casal sustentou que antes da gravidez indesejada já tinha dois filhos, um de 13 anos e outro de um ano, e que desde o nascimento do primeiro, a mulher passou a usar anticoncepcional, o que justifica o espaço de tempo de uma gravidez, para outra. Conta que o nascimento do segundo filho foi planejado, para que pudessem dar uma vida digna à família, tendo engravidado em outubro de 2017, e dando à luz em julho de 2018, na maternidade do município.
Os autores conta que solicitaram à médica responsável pelo parto que não queriam mais ter filhos, tendo a mulher manifestado que fosse feita ligadura de trompas. Contudo, em razão de sua idade, a profissional ressaltou que não poderia atender o pedido, mas que a paciente teria direito ao DIU, opção com a qual concordaram. Contam que logo após o parto normal, induzido, a médica iniciou os procedimentos para introdução do DIU, tendo a mulher se queixado de dores e sangramento. Segundo eles, a médica informou que o dispositivo uterino estava bem colocado e a orientou a retornar à maternidade em 45 dias, para acompanhamento do pós parto e do DIU inserido, através de exames de ultrassonografia.
Suspeita de gravidez
Conforme os autos, na data agendada, o casal foi à maternidade para fazer o acompanhamento e, mesmo sem ter realizado o exame de ultrassonografia, o médico atendente afirmou à mulher que estava tudo bem e que era para ela retornar em seis meses para uma nova prevenção em relação ao funcionamento do DIU. Eles alegam que, nesse período, a requerente, que não sentia a presença do DIU. E que começou a vivenciar sintomas de gravidez, em razão da ausência de menstruação, e decidiu, antes de retornar à maternidade, fazer exame hormonal, em 8 abril de 2019, que constatou a gravidez.
Para confirmar o estado gravídico, dois dias depois ela fez ultrassonografia endovaginal, certificando a gravidez de oito semanas e seis dias. E não sendo constatando a presença do DIU. Na ação, eles imputaram à maternidade a responsabilidade pela gravidez inesperada, “vez que o corpo médico manipulou erroneamente o dispositivo uterino, ou sequer o colocou”.
José Proto ressaltou que a autora demonstrou, pelo Cartão da Paciente do Ministério da Saúde, apresentado na inicial, que logo após o parto, inseriu o DIU de Cobre, na data de 12 de julho de 2018. E que restou comprovado, também, pela ultrassonografia morfológica, de 23 de julho de 2019, que a mulher estava grávida de 23 semanas e cinco dias, aproximadamente. Ou seja, menos de um ano depois de, supostamente, ter colocado o DIU, engravidou novamente. “De duas, uma, ou mal colocado, ou, não foi inserido aludido DIU”, pontuou o magistrado.
Falha técnica na conduta médica
O juiz lembrou que em nenhum exame apresentado nos autos foi constatado que havia sido inserido qualquer dispositivo intrauterino na mulher, o que deixa evidente a falha técnica na conduta médica que a atendeu na maternidade. “Deste modo, a gravidez não planejada e não desejada pelos autores, resultou de ato ilícito, perpetrado pelos prestadores de serviços do requerido, o que atraia responsabilidade objetiva da municipalidade pelos danos causados”, ponderou o titular da 4ª Vara da Fazenda pública Municipal e de Registro Público.
Para ele, o sofrimento experimentado pelos autores foi de grande monta, não por conta do nascimento de mais um filho, sempre motivo de celebração, mas por ter sido lhes tirada a opção de quando, ou mesmo, se teriam mais um filho. Conforme salientou, a liberdade de decisão do casal, no que diz respeito ao seu planejamento familiar, foi tolhida pelo Município de Goiânia, ente que deveria, justamente, resguardá-la. “Vale dizer que o livre planejamento familiar constitui direito fundamental, e tem por objetivo garantir o exercício de muitos outros, tais como o direito à vida (da criança e da mãe), à autonomia da vontade e à dignidade da pessoa”, concluiu o magistrado.
Fonte: Rota Jurídica