O presidente da Comissão Gestora de Precedentes do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Paulo de Tarso Sanseverino, determinou a suspensão de todos os processos em tramitação no país, inclusive nos juizados especiais, que versem sobre a mesma questão jurídica debatida em Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) admitido pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4): se o Contran extrapolou ou não os limites de seu poder regulamentar ao dispor na Resolução 543/2015 a respeito da inclusão de aulas em simulador de direção veicular para a obtenção da carteira nacional de habilitação.
Trata-se da primeira decisão do STJ favorável a um pedido de suspensão nacional em IRDR. Em atenção ao artigo 982, parágrafo 3º, do Código de Processo Civil (CPC) de 2015, o STJ, por meio da Emenda Regimental 22/2016, introduziu em seu Regimento Interno o artigo 271-A, que estabelece que o presidente do tribunal poderá suspender as ações que versem sobre o objeto do incidente por motivo de segurança jurídica ou por excepcional interesse social.
Todavia, a Portaria STJ 475/16 delegou ao presidente da Comissão Gestora de Precedentes do tribunal a competência para decidir os requerimentos de suspensão.
Novo instituto
Criado pelo CPC/2015, o IRDR equivale ao recurso repetitivo apreciado pelo STJ, mas no âmbito dos Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais Federais. Uma vez verificada a existência de múltiplas demandas nas quais se discute a mesma questão de direito, os tribunais de segundo grau podem selecionar um processo para a fixação de tese que será aplicada a todos os casos idênticos.
Admitido o incidente, o tribunal suspenderá o trâmite de todos os processos individuais ou coletivos em sua jurisdição. Com a admissão, o CPC estabelece que as partes, o Ministério Público ou a Defensoria Pública poderão requerer ao Supremo Tribunal Federal (STF) ou ao STJ, a depender da matéria, a ampliação da eficácia de suspensão em todo o território nacional.
O pedido de suspensão nacional, dirigido ao STJ, explica-se pela hipótese de que contra o acórdão de segundo grau proferido no julgamento do IRDR caberá a interposição de recurso especial quando a questão discutida versar sobre interpretação de lei federal.
Requisitos
O ministro Sanseverino reconheceu a existência do fundamento de tutela da segurança jurídica e o excepcional interesse público exigidos como requisitos para o pedido de suspensão nacional de processos em IRDR.
“A solução definitiva da controvérsia de direito impactará, certamente, os centros de formação de condutores no país, mas vejo, com maior destaque, o reflexo que se dará nos milhares de candidatos que se submetem anualmente aos treinamentos obrigatórios para a habilitação como motoristas de veículos automotores. Esse reflexo se dissipa amplamente, pois é sabido que as políticas de trânsito interferem intensamente na vida social e, a depender da definição estatal, pode representar redução de acidentes nas vias urbanas e rurais do Brasil”, esclareceu o ministro.
Valorização dos precedentes
Na decisão, o ministro destacou a posição do IRDR no sistema de precedentes do CPC/2015. Segundo ele, “um dos eixos basilares do novo sistema processual brasileiro é a atividade jurisdicional guiada pelo respeito aos precedentes judiciais (ou julgados qualificados) listados no artigo 927”, estando o IRDR “inserido nesse contexto como instrumento processual capaz de, ao mesmo tempo, pacificar, no âmbito do estado ou da região, questões de direito que se repetem em múltiplos processos com a formação de precedente (julgado qualificado) que, além de refletir sua eficácia nos processos suspensos, balizará as atividades futuras da sociedade, das partes processuais, dos advogados, dos juízes e dos desembargadores”.
Exaltando a importância do IRDR no sistema processual, Sanseverino apontou aspectos relacionados à necessária integração entre as instâncias do Poder Judiciário, ao lembrar que o incidente “se completa, a depender da matéria discutida, com a definição da questão jurídica pelos tribunais superiores”.
O CPC, acrescentou o ministro, cercou-se de cuidados “para privilegiar, num primeiro instante, a utilização do incidente de resolução de demandas repetitivas para, em momento posterior, ampliar a possibilidade de impugnação da decisão nele proferida para permitir, se for o caso, a manifestação em definitivo das cortes superiores”.
Trânsito em julgado
A ordem de suspensão, salvo decisão em contrário do STJ ou do STF, vigorará até o trânsito em julgado da decisão do IRDR em tramitação no TRF4, que poderá ocorrer no STJ ou no STF, a depender da interposição de recursos a essas cortes.
A determinação não impede a celebração de acordos nem o ajuizamento de novas ações, que deverão seguir a tramitação processual até a fase de conclusão para a sentença, ocasião em que ficarão suspensas.
A apreciação de tutela de urgência também não é impedida, mas as decisões concessivas da medida devem ser devidamente justificadas, especialmente em relação ao perigo concreto de dano em cada caso. O julgamento antecipado parcial do mérito quanto a outras questões eventualmente discutidas no processo também é permitido.