Esperada pelos goianos há 33 anos, a Ferrovia Norte-Sul será fundamental para a economia do Estado. No último dia 31, um passo decisivo foi dado para a conclusão da obra e início das operações. O governador Ronaldo Caiado e o prefeito Roberto Naves receberam o presidente da República, Jair Bolsonaro, e representantes da empresa Rumo Logística para a assinatura do contrato de concessão dos tramos central e sul da Ferrovia, em Anápolis. O evento, realizado no Porto Seco Centro-Oeste, contou com a presença de ministros, do vice-governador Lincoln Tejota, da primeira-dama Gracinha Caiado, além de senadores, deputados federais e estaduais e outras lideranças políticas.
A previsão é que ainda leve um ano e meio para que a ferrovia esteja em pleno funcionamento. Mas toda essa movimentação reascendeu as expectativas em diversos segmentos da cadeia produtiva rural em Goiás.
Produtor de cana-de-açúcar em Indiara, onde os trilhos foram instalados há cerca de quatro anos, o gerente de Infraestrutura e Logística Rural da Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Seapa), Alexandre Câmara Bernardes (na foto que abre esta repotagem), acompanha a trajetória da Norte-Sul desde o lançamento de sua pedra fundamental. Ao longo dos anos, experimentou desde a empolgação pela chegada da ferrovia até surpresas nada amistosas, como a informação de que o trajeto atingiria seu imóvel. “Infelizmente, à época do processo da Valec, tive uma área de minhas terras desapropriada, afetando exatamente a área em que se encontrava a sede e meus currais, pois trabalhava com pecuária de corte”, recorda-se o produtor, que conseguiu ser indenizado.
As sucessivas inaugurações foram um verdadeiro banho de água fria. Hoje, com a assinatura da concessão, a esperança é que o efetivo funcionamento da ferrovia diminua o grande gargalo logístico do País, reduzindo o Custo Brasil. Este, explica Alexandre, é um dos entraves para o agronegócio, a mola propulsora da economia. “Como técnico e produtor, torço para que todo esse processo de logística aumente a competitividade e, consequentemente, a rentabilidade. O principal objetivo de qualquer ente no agronegócio é a ampliação da renda do setor produtivo, porque somos tomadores de preço. Eu não dou preço no meu produto; pergunto quanto me pagam. Se aumento a competitividade, aumento a rentabilidade do meu produto final. Quer seja leite, ovos, carne e demais cadeias produtivas do agronegócio”, explica.
Representante da Associação dos Produtores de Soja e Milho de Goiás (Aprosoja-GO), entidade que reúne cerca de 500 produtores no Estado, o consultor técnico Cristiano Palavro conta que a situação da ferrovia tem sido acompanhada de perto pelo segmento e que agora a expectativa é positiva. O setor crê na redução de custos logísticos. “E esperamos que possa refletir em melhores margens para os produtores e empresas que atuam em Goiás. Temos uma demanda reprimida pela necessidade da ferrovia, mas agora sentimos um diferencial muito grande por parte do governo federal e do estadual. Os empresários estão alinhados com o poder público e a Norte-Sul será uma ferramenta eficiente para fazermos nossa logística no Estado.”
Dos grandes aos pequenos produtores
Estudo da Gerência de Inteligência de Mercado da Seapa, que investigou o impacto da ferrovia em um raio de 50 quilômetros, mostra que na pecuária mais de 76% da produção de suínos do Estado se encontram neste raio, assim como 53% das aves e 45% dos bovinos. Diretamente, 128 municípios serão beneficiados, os quais contribuem com aproximadamente 50% do PIB agropecuário goiano.
Criador de gado de corte em Nerópolis, Salvador Farina é um dos que vão sentir o impacto positivo da ferrovia em seus negócios. Sua propriedade fica a cerca de 40 quilômetros da Norte-Sul. “É uma fonte de esperança, tanto para criadores de gado de corte como para o povo de maneira geral porque aumenta o escoamento e o viés de parcerias. Tudo facilita com a ferrovia em plena atividade”, avalia.
E não são apenas os grandes produtores que anseiam pelo início das operações. Produtor e assentado rural de Caiapônia, no sudoeste goiano, Gerailton Ferreira dos Santos é o coordenador de Reforma Agrária e Meio Ambiente da Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar de Goiás (Fetraf-GO/CUT). Ele explica que a Ferrovia Norte-Sul constituirá numa importante plataforma de distribuição dos produtos oriundos da agricultura familiar, em diversas partes do Estado. “Não dá para comparar: sair de Caiapônia e levar a produção até Anápolis [que terá um dos terminais] a ter de ir de Caiapônia até Santos”, salienta.
Segundo Gerailton, as perspectivas para os pequenos agricultores também são boas, uma vez que a escoação do produto precisa ser melhorada, inclusive com mais abertura para o mercado internacional. “Por exemplo, nós da agricultura familiar estamos agora negociando com o mercado europeu, especificamente o açafrão e o gengibre, abrindo as portas para este mercado. O desafio é garantir o transporte destes produtos. Vemos então como grande avanço para Goiás o implemento e a conclusão de fato da ferrovia”, disse.
O trecho arrematado pela Rumos Logística, em leilão promovido pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), no dia 28 de março, compreende Porto Nacional, no Tocantins, até Estrela D’Oeste, em São Paulo – um total de 1.537 quilômetros com prazo de concessão de 30 anos. A empresa vencedora terá de fazer R$ 2,719 bilhões em investimentos. Além da Ferrovia Norte-Sul, Goiás poderá contar nos próximos anos com a malha ferroviária que ligará Água Boa, no Mato Grosso, até Campinorte e Mara Rosa. A Ferrovia de Integração do Centro-Oeste (Fico) também dará mais condições para o escoamento de grãos e produtos agropecuários produzidos em Goiás.
Diversificação da matriz
Uma tecla tem sido constantemente batida pelos produtores, criadores e líderes classistas: a dependência quase que exclusivamente pela malha rodoviária é um gargalo que precisa ser superado para alavancar a produtividade da agropecuária no Estado. “Pegue a situação das nossas rodovias. Elas são decadentes, por mais que o governador tenha trabalhado para mantê-las em bom estado, o que acaba por não permitir o escoamento conforme a nossa necessidade.
O tráfego intenso de caminhões prejudica a qualidade do asfalto”, criticou Salvador Farina, que diariamente lida com as dificuldades do transporte de carne. Dilema vivido também pelos produtores de soja e outros grãos, conforme Cristiano Palavro. “Fica tudo muito concentrado no modal rodoviário. Isso implica em maiores custos e perdas. Há enormes dificuldades, especialmente em algumas rodovias vicinais”, pontuou.
Neste sentido, um dos benefícios que o diretor comercial da Rumo, Pedro Palma, destaca é o fato de o produto percorrer um trajeto, como o de Rondônia ao Porto de Santos, sofrendo perdas mínimas. “A carne sai refrigerada a uma temperatura de -25ºC e chega ao destino a -20ºC. A legislação determina -12ºC. É muito mais segurança e qualidade”, apontou. Ele lembrou que um trem de 12 mil toneladas retira entre 300 a 350 caminhões das estradas. “Isso melhora a qualidade do ar, as condições das estradas e diminui o cansaço dos motoristas, que passarão a fazer viagens mais curtas ao longo do dia, podendo repousar em suas próprias casas, sem passar 10, 15 a 20 dias na estrada, dormindo em postos. É uma realidade que não deveria existir”, conclui.
Alexandre Câmara Bernardes reforça a importância de se diversificar a matriz do transporte brasileiro, essencialmente rodoviária, que é também a mais cara do mundo. “Esse novo modal não significa que haverá redução da taxa de emprego. O transporte rodoviário vai continuar existindo, mas de forma mais ágil e segura, tanto para quem está fazendo, como para quem é usuário da via”, refletiu. O gerente acredita que, com a Ferrovia Norte-Sul, além de benefícios econômicos, haverá um substantivo impacto de cunho social. “Ao falarmos de trânsito e estradas, estamos falando de vidas. Reduzindo o número de acidentes, estamos falando em dar segurança à família que está trafegando e e da oportunidade de possibilitar maior competitividade ao agronegócio.”
O representante da Rumos completou o raciocínio, argumentando que isso irá impactar positivamente a qualidade de vida dos caminhoneiros. “Uma demanda que irá surgir é o transporte de cargas até os terminais de transbordo, que existirão apenas em alguns municípios”, afirma Pedro Palma. Ele aponta que estão sendo estudadas as construções destas estruturas entre Rio Verde e Santa Helena, Anápolis, Uruaçu e Gurupi, já entrando no Tocantins.