A equipe econômica propôs ao presidente Jair Bolsonaro (PSL) um amplo pente-fino em benefícios concedidos pelo INSS e também em isenções tributárias a pessoas com doenças graves e que hoje não são alvo de perícia médica. Para isso, a minuta da Medida Provisória antifraudes encaminhada à Casa Civil para análise vai expandir o escopo de trabalho dos médicos-peritos do governo.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, chegou a estimar uma economia entre R$ 17 bilhões e R$ 20 bilhões com a MP. O texto ainda será analisado pela Casa Civil e precisa ser assinado por Bolsonaro, passando a valer a partir da publicação no Diário Oficial da União (DOU). O Congresso Nacional terá 120 dias para converter o texto em lei.
O texto da MP prevê que haverá uma reavaliação de benefícios concedidos pelo INSS que estão sem perícia há mais de seis meses e não têm data de cessação definida. Também passarão pelo pente-fino benefícios de natureza assistencial, trabalhista e tributária. A ideia é que o mutirão se estenda até o fim de 2020, e haverá o pagamento de um bônus de R$ 57,50 por perícia extra realizada – nos moldes do pente-fino já realizado desde meados de 2016 e que resultou no cancelamento de mais de 70% dos auxílios-doença analisados no período.
A mudança nas atribuições dos peritos dará a eles poder para atuar, por exemplo, na avaliação de doenças de pessoas que solicitam isenção de Imposto de Renda ou de IPI para a compra de automóveis. A lei concede esses benefícios a quem tem doença grave (como câncer ou aids) no caso do IR, ou para pessoas com deficiência no âmbito do IPI.
Mas o procedimento atual de concessão consiste na mera apresentação de um atestado médico do SUS ou de outro médico oficial constatando a enfermidade, e já há decisões judiciais permitindo que o laudo seja fornecido por médico da iniciativa privada (o que fragiliza ainda mais o processo, de acordo com técnicos).
A ideia é que os peritos possam fazer um pente-fino nas isenções concedidas para verificar que os beneficiários ainda fazem jus a elas e evitar que um paciente com câncer, por exemplo, continue sem pagar IR mesmo depois de curado. A reavaliação de benefícios, porém, será bem mais ampla.
A MP ainda inclui iniciativas para acelerar os procedimentos de efetivação de cancelamento dos benefícios previdenciários e assistenciais irregulares. Hoje, depois de comprovada a fraude no benefício, o procedimento é muito burocrático e lento. É preciso notificar o beneficiário, publicar um edital e dar prazo para que o segurado possa recorrer da decisão.
Agora, a ideia é propor que o beneficiário seja notificado preferencialmente pela rede bancária ou por meio eletrônico, em caso de indício de irregularidade. Caso não seja possível, a alternativa será notificá-lo por carta simples, e o aviso de recebimento valerá como prova suficiente de notificação. O usuário poderá apresentar a defesa por meio eletrônico em até 10 dias, ou o benefício é suspenso.
Outra hipótese para a suspensão do benefício é se o INSS avaliar que a defesa é insuficiente ou improcedente. Nesse caso, haverá prazo adicional de 30 dias para que o beneficiário possa recorrer. Encerrado esse prazo sem que haja contestação, o benefício será cancelado.
Base de dados
O texto traz ainda medidas para reforçar o poder de acesso às bases de dados do governo para que seja feito o cruzamento de informações para o devido controle dos pagamentos e o combate às fraudes. Por muito tempo, a equipe econômica enfrentou resistências de alguns órgãos que não queriam compartilhar suas informações. A ideia do grupo era no sentido de que esse cruzamento fosse feito com maior eficácia.
A MP também vai restabelecer a possibilidade de o INSS pedir ressarcimento de valores de benefícios depositados indevidamente – por exemplo, em favor de pessoa já falecida. O ex-presidente Michel Temer chegou a editar uma MP com o mesmo teor, mas o texto perdeu eficácia porque o Congresso não votou a tempo. Em julho de 2017, a estimativa era de que havia R$ 675 milhões a serem recuperados, mas pouco desse valor foi efetivamente restituído à União e os valores potenciais atuais podem superar essa cifra.
Novas regras
A MP também vai apertar uma série de regras para cobrir os “ralos” na administração pública e coibir novas fraudes. Entre essas medidas, está a ideia de estabelecer um prazo de 180 dias para que seja requerida a pensão por morte concedida a menores de 16 anos.
No caso do auxílio-reclusão, pago a dependentes de detento em regime fechado, passará a ser exigido um período de carência (ou seja, de contribuição ao INSS) de 24 meses para que haja direito ao benefício. Hoje, não existe essa carência.
A equipe econômica também propõe mudanças nas regras da aposentadoria rural. A declaração de tempo rural fornecida hoje pelos sindicatos rurais – considerada frágil por especialistas e uma brecha para fraudes – será substituída pela autodeclaração homologada por entidades públicas credenciadas pelo Programa Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural na Agricultura Familiar e na Reforma Agrária (Pronater). Haverá ainda um cadastro dos segurados especiais para a concessão de novos benefícios rurais.
Outra medida é o veto à emissão da Certidão de Tempo de Contribuição (CTC) referente a tempo sem contribuição efetiva de servidores públicos. Esse documento permite hoje que o funcionário peça que seja considerado para efeito de aposentadoria o tempo de serviço anterior ao ingresso no serviço público, mesmo que não tenha havido pagamento de contribuição previdenciária.