[dropcap]C[/dropcap]om o entendimento de que a moradia são direitos constitucional e social, previstos no art. 6º, da Constituição Federal, o juiz substituto Gabriel Lisboa Silva e Dias Ferreira, de Porangatu, revogou liminar e determinou que um casal retome a posse de um imóvel pertencente ao município. A área foi doada ao casal por um ex-prefeito da cidade. A sentença foi tomada em ação de reintegração de posse, proposta pelo Município de Porangatu, durante o Programa Programa Justiça Ativa realizado na comarca de 10 a13 de abril.
Segundo os autos, o casal ocupa uma área pública de forma ilegal, cujo imóvel foi desocupado em março de 2015. Contudo, essa área foi doada por um ex-prefeito em 2012. O homem e a mulher alegaram que receberam autorização para residir no local. No documento há, inclusive, autorização para instalação de água.
Ao decidir sobre o caso, o magistrado observou que, “de fato, trata-se de bem público, de caráter inalienável. Para que sejam doados bens públicos há necessidade de edição de lei autorizadora. Para alienação, haverá licitação, em regra, modalidade de concorrência, para a venda. O art. 183, §3º, da Constituição Federal, dispõe que os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião. Assim, em tese, não haveria posse de bem público, apenas mera detenção, o que não gera direitos possessórios nem possibilidade de adquiri-los por meio das espécies previstas na Constituição Federal e na lei infraconstitucional de usucapião”.
Caso peculiar
Entretanto, prosseguiu Gabriel Lisboa Silva e Dias Ferreira, “o caso versado nos autos é peculiar e possui características diferenciadoras dos demais”. Para o magistrado, os requeridos receberam o bem por meio de doação do prefeito à época do fato e o Imposto Territorial Urbano (ITU) referente ao imóvel estava no nome da requerida, conforme documentos. “A partir dessa segurança da posse, os requeridos construíram sua vida no local, levantaram uma casa e adquiriram bens de uso doméstico”, pontuou. Segundo o juiz, as fotos comprovam a construção da casa. A certidão descreve os bens pertencentes ao casal, tais como : cama, fogão, geladeira, armário, televisão e antena.
“Desta forma, afere-se que aquele lugar configurava a moradia do requerido”, ressaltou o magistrado”, lembrando que a proteção deste direito não reside exclusivamente no âmbito na Constituição Federal vigente. “A Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, protege a moradia adequada como direito de todos. Ao estabelecer como um dos direitos humanos protegidos, o tratado internacional o reconhece com um direito intrínseco ao ser humano. Os direitos humanos são reconhecidos conforme a essencialidade para a sobrevivência humana, a forma como esse direito fundamental protege a dignidade humana, e possibilita tanto a evolução do homem como o exercício de demais direitos.
Ao analisar o comportamento do Município de Porangatu, o juiz observou que além de ter violado um direito constitucional, agiu de forma contraditória, permitindo que o casal residisse no local, cobrando imposto, enquanto ajuizava ação de reintegração de posse. “ É certo que o bem público é inalienável e as doações deverão ser feitas conforme ditames legais, porém, retirar uma família de sua residência, sem oferecer-lhes outra alternativa, configura flagrante desumanidade”.
Ao final, o magistrado determinou que os requerentes devem permanecer na posse do imóvel, bem como da casa que construiu e, caso o Município queria retomar o bem, que seja oferecida alternativa para que o casal resida em outro local.