MPF/DF propõe ação contra deputado federal por contratação de funcionária fantasma.

Esquema incluiu falsificação de documentos para posse em cargo público além da abertura de contas bancárias. Suposta servidora foi vítima do esquema que desviou quase R$ 100 mil da Câmara

 

A constatação de que recursos públicos da Câmara dos Deputados foram desviados por meio da contratação de uma empregada doméstica levou o Ministério Público Federal (MPF/DF) a propor uma ação por improbidade administrativa contra o deputado federal Adalbeto Cavalcanti Rodrigues (PTB/PE). Além dele, também responderão à ação a assessora parlamentar dele, Sônia Martins de Souza, e o companheiro dela, João Wellington Pereira. A funcionária fantasma trabalhava na chácara de Sônia e João e, segundo as investigações, foi vítima do casal. Como na fase preliminar da apuração foram encontrados indícios da prática de crimes como peculato e estelionato, que podem ter tido o envolvimento de um parlamentar, o procurador da República, Hebert Mesquita – que assina a ação – enviou cópia dos autos à Procuradoria Geral da República (PGR) com indicação de que seja promovida a investigação criminal do caso.

Na ação, o MPF argumenta que, entre dezembro de 2015 e agosto de 2016, o parlamentar manteve entre os assessores a doméstica Juliana Ruthe Cardoso Santana, que jamais esteve no Congresso Nacional ou prestou assessoria, conforme ela mesma relatou aos investigadores. No período, a Câmara depositou mais de R$ 90 mil em contas bancárias abertas em nome da suposta servidora. As investigações revelaram que Juliana teve o nome envolvido no caso a partir da atuação da então patroa. No fim de 2015, Sônia Martins prometeu incluir Juliana na lista de pessoas que passariam a receber um suposto auxílio mensal de R$ 500. Nas palavras de Sônia, o benefício seria pago pela Câmara Federal a servidores e a seus funcionários. Para viabilizar o recebimento da ajuda financeira, a doméstica foi convencida a assinar vários documentos, “a pretexto de abrir contas bancárias”, bem como a outorgar procurações à patroa.

Conforme revelaram as investigações, as assinaturas foram usadas por Sônia e João para forjar tanto a indicação para cargo em comissão de secretariado parlamentar – documento que foi devidamente assinado pelo deputado Adalberto Cavalcanti – quanto a posse e a abertura de três contas bancárias. Foi em uma delas, aberta no Banco do Brasil, que a Câmara dos Deputados passou a depositar o salário mensal da funcionária fantasma, no valor de R$ 12.940. “Assim, Juliana Ruthe Cardoso foi investida em cargo público na função de secretária parlamentar de Adalberto Cavalcanti, na função mais elevada, a SP25. De acordo com a tabela de remuneração de secretário parlamentar, as funções seguem uma escala que vai da SP1 até a SP25”, afirma um dos trechos da ação.

O MPF destaca ainda que, em duas ocasiões (fevereiro e maio de 2016), o deputado solicitou ao diretor de Recursos Humanos da Câmara a alteração no nível de retribuição da suposta funcionária. Fez isso mesmo sem nunca ter visto a assessora direta e que ocupava a função mais elevada do gabinete. O procurador destaca que a assinatura do parlamentar solicitando a alteração consta dos documentos que instruem o processo. Lembra, ainda, que no mesmo período Sônia atestou a frequência de Juliana no sistema de controle da Casa Legislativa. Em relação ao pagamento da suposta ajuda, a ação frisa que os repasses foram feitos apenas entre os meses de março e agosto de 2016, após muita insistência e cobranças de Juliana.

Dívidas

As irregularidades vieram à tona em agosto de 2016, quando Juliana descobriu que estava com o nome negativado no Serasa, por causa de várias dívidas que desconhecia. Em depoimento, ela afirmou que, ao tomar conhecimento da situação financeira, procurou por Sônia, mas a patroa passou a evitá-la. Diante da constatação de que os débitos passavam de R$ 120 mil, sendo R$ 109,7 apenas no cartão de crédito, a empregada doméstica registrou um boletim de ocorrência policial contra o casal. Temerosa pela repercussão dos fatos, Sônia ofereceu R$ 5 mil para que Juliana “retirasse a queixa”. Dois meses, após a descoberta das dívidas, Juliana foi exonerada do cargo público por ordem do deputado.

A análise da movimentação das contas bancárias – abertas em nome de Juliana e movimentadas por Sônia – mostrou a contratação de pelo menos 14 empréstimos com valores que variam de R$ 500 a R$ 77 mil. Também foi verificado o uso dos recursos depositados pela Câmara para o pagamento de despesas do carro de João Wellington em uma concessionária de Brasília, além da descoberta de várias transferências on line e compensação de cheques sem indicação de beneficiários. Em relação aos repasses, o MPF solicitou a quebra de sigilo bancário das três contas. “Conhecer o inteiro teor dessas transações e a natureza dos gastos efetuados é de suma importância para fortalecer o envolvimento de Adalberto Cavalcanti, de João Wellington e outras pessoas do próprio gabinete”, afirma o procurador.

Pedidos

Para o Ministério Público, não há dúvidas de que os envolvidos violaram princípios constitucionais como o dever de honestidade, legalidade e lealdade às instituições públicas, além de infringir regras previstas na Lei 8.112/90 que define as obrigações do servidor público. O principal pedido da ação é para que os três sejam condenados às penas máximas previstas na Lei 8.429/92, considerando a participação de cada um no esquema. Na ação, o procurador lembra que o enriquecimento ilícito (artigo 9º) e o dano ao erário (artigo 10º) foram consumados. Hebert Mesquita frisa ainda que, pelas provas já reunidas, a maior parte dos atos foi praticada por Sônia Martins e enfatiza a importância da quebra do sigilo para que seja pormenorizada a participação dos outros dois.

Em relação ao deputado, embora ainda não seja possível afirmar que ele foi beneficiado de forma direta com o desvio de recursos, o MPF enfatiza que, no mínimo, o parlamentar causou lesão ao erário por omissão grave, ao manter no gabinete a funcionária fantasma. Lembra ainda que os atos normativos que regem a nomeação de assessores de gabinete deixam claro que a responsabilidade pelo controle do trabalho é do titular do mandato. “Não é republicano, não é razoável, proporcional nem eficiente que um agente público seja tão relapso, negligente e desidioso no trato da coisa pública”, afirma, completando que não se trata de um “universo incontrolável de gente”, mas de 25 pessoas.

Além da aplicação das penas previstas no artigo 12 da Lei de Improbidade Administrativa (LIA), que incluem o ressarcimento integral do dano, a suspensão de direitos políticos e a proibição de contratar com o poder público, a ação pede que a Justiça determine o afastamento imediato de Sônia Martins do cargo de assessora parlamentar. Outro pedido é para que seja decretada a indisponibilidade de bens dos envolvidos no valor de R$ 374.742,92. O montante equivale a quatro vezes o total desviado dos cofres públicos e tem o propósito de garantir o ressarcimento ao Estado, além do pagamento de multa civil.

A ação de improbidade foi enviada nesta quinta (30) à Justiça e deverá ser apreciada em uma das varas cíveis do Distrito Federal.

 Clique para ter acesso à íntegra da ação por improbidade.

Assessoria de Comunicação
Procuradoria da República no Distrito Federal

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