Na quarta-feira (15/03), data em que se comemorou o Dia Internacional do Consumidor, especialistas ouvidos pelo Portal Rota Jurídica falam sobre os avanços relacionados aos direitos dos consumidores, mas também de medidas recentes que podem representar retrocesso nas relações de consumo, como as mudanças nas regras com cobrança de bagagem despachada nas viagens aéreas. Além disso, são dicas para o consumo em tempos de crise.
O advogado Lourival Fonseca Júnior, especialista em Direito do Consumidor diz que, neste dia 15 de março, há muito a ser comemorado, pois a data representa um marco importante de um diploma legal tido como um dos mais avançados na matéria. Porém, ele diz que este processo é uma construção contínua e progressiva, que impende sempre de uma evolução consistente.
Para o especialista, o aprimoramento da responsabilidade civil nas relações de consumo e a efetividade na repressão de práticas comerciais abusivas são os pilares do Código de Defesa do Consumidor (CDC). Mas salienta que, embora bem realçados no texto legal, carecem ainda de uma maturação na prática. Ele lembra que a intenção era a de que empresas e empresas e clientes resolvessem os problemas entre si, cônscios de seus direitos e deveres. Entretanto, algumas empresas ainda preferem multas administrativas e brigas judiciais à conciliação.
Avanços
De outro lado, Lourival Fonseca Júnior salienta que os avanços são notórios e cita como exemplo o direito à informação antes da aquisição de um bem ou contratação de um serviço. Com isso, os contratos deixaram de ser tão obscuros e com margem a interpretações dúbias, bem como os rótulos de alimentos e embalagens de produtos foram obrigados a ser mais precisos. O especialista observa também que os canais de atendimento entre cliente e empresa hoje atendem bem melhor do que tempos atrás, mas ainda não atingiram um bom nível, que permita diminuir as queixas dos consumidores.
Hoje, segundo o especialista, o consumidor está muito mais atento aos seus direitos, mas nem sempre os exercita. Ele ressalta que é nítido que o brasileiro mudou com o Código, mas deve cada vez mais buscar conhecer as leis e exigir que sejam respeitadas. “Uma nova postura das empresas, dos poderes judiciário, legislativo e executivo, acompanhados das agências reguladoras é, talvez, o próximo passo a ser incessantemente buscado”, diz. Para ele, o grande desafio neste cenário atual é o de preservar as conquistas já alcançadas neste período, de modo a construir as bases sólidas para alçar o respeito ao consumidor de forma irreversível e indevassável.
Para melhor
O advogado Telmo de Alencastro, também especialista em Direito do Consumidor, diz que em razão das disposições do Código a cultura consumerista do brasileiro mudou para melhor. Os consumidores passaram a ter mais noção de seus direitos e os fornecedores passaram a tomar mais cuidado, tanto com o produto e/ou serviço que oferecem quanto com a sua qualidade. “É claro que, como nada é absoluto, sempre haverá aqueles que desrespeitam as normas consumeristas, mas a justiça está bem presente e atenta para coibir estas atitudes de alguns fornecedores”, observa o especialista.
Nas escolas
Alencastro é defensor da incorporação à grade curricular escolar de uma matéria que transmitia aos estudantes o mínimo sobre a lei consumerista. Para ele, essa medida aumentaria, e muito, a velocidade com que as pessoas tomariam conhecimento dos seus direitos como consumidor. “Infelizmente, via de regra, o brasileiro não tem em sua cultura a leitura e acaba por saber de seus direitos através de ‘ouvir dizer’ ou mesmo exemplos de acontecimentos que lhes são relatados por amigos, parentes, etc. Parte do que se encontra no CDC ainda é desconhecida da grande massa consumerista”, observa.
Retrocesso
Lourival Fonseca Júnior observa que medidas recentes, como a cobrança de bagagens pelas companhias aéreas e a diferenciação de preços para pagamento à vista ou em cartão de crédito, representam retrocessos flagrantes e extremamente perigosos. Para ele, esses são precedentes que afrontam toda a concepção do diploma legal e trazem prejuízos até mesmo aos projetos de modernização do código em trâmite no Congresso.
“Tanto no caso da cobrança de bagagens quanto nos preços diferenciados para pagamento em cartão de crédito, não há clareza quanto aos mecanismos que garantam algum tipo de compensação para o consumidor de que o valor das passagens ou da compra irá diminuir”, explica.
Ele cita ainda outras iniciativas com o mesmo condão de prejudicialidade ao consumidor, como a proposta de um plano de saúde dito “popular”, mas que tira direitos assegurados; a cobrança indevida em contas de água e luz; miniapagões de energia; dificuldades em ligações via smartphone e no acesso à banda larga.
O advogado Telmo de Alencastro cobrança de bagagens é uma questão que ainda será objeto de muita repercussão. A alegação da Anac é que tal cobrança poderá reduzir o valor final das passagens aéreas. No entanto, aparentemente, não é o que está acontecendo. Até o presente momento o que está se vendo é a cobrança pelas bagagens e a mantença dos preços. “Ou seja, em princípio, o que a ANAC fez foi criar mais uma forma de prejudicar o consumidor com mais uma cobrança por um serviço”, diz.
Dicas
Em tempos de crise, Telmo de Alencastro lembra que o consumidor deve ficar atento na hora de realizar compras. O especialista observa que é necessário comprar somente o que for estritamente necessário e evitem os parcelamentos, principalmente quando houver previsão de juros. Evitar ainda entrar no rotativo do cartão de crédito, opção que nunca foi um bom negócio.
Lourival Fonseca Júnior diz que as dicas principais aos consumidores em tempo de crise estão atreladas mais ao próprio comportamento do ponto de vista econômico. Segundo ele, o que se observa é que o consumidor faz mais pesquisa na hora de comprar. Isso porque estão economizando para pagar as dívidas atrasadas e as despesas domésticas que tiveram aumento, como a conta de luz e de água. Assim, tem feito compras com mais cautela. “O pragmatismo toma o lugar do impulso. Tem se atentado ao uso do cartão de crédito e aos longos parcelamentos. Com isso, acaba obrigando que as empresas se adequem e mudem as estratégias para atraí-lo e chamar sua atenção”, acredita.