Apesar de a comercialização de benefícios como vale refeição e vale alimentação ser caracterizada como crime de estelionato e punível até mesmo com a demissão por justa causa, a prática é bastante comum entre os trabalhadores brasileiros. De acordo com um levantamento realizado em todas as capitais pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) e pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL), 30% dos trabalhadores já venderam o ticket refeição que recebem de seu empregador.
O advogado Pedro Villa Verde Bastos, especialista em Direito e Processo do Trabalho, explica que, se o trabalhador não utilizar o benefício para a alimentação, ele está desvirtuando a destinação e pode ocasionar a penalidade de demissão por justa causa. Segundo diz, a penalidade é gerada, pois a partir do momento que esse tipo de vale é vendido, é caracterizado como quebra de confiança entre empregado e o empregador e pode caracterizar ato de improbidade.
De outro lado, Bastos explica que, conforme a portaria 3/2002, é vedado à pessoa jurídica beneficiária suspender, reduzir ou suprimir o benefício do Programa a título de punição ao trabalhador. O especialista lembra que o vale alimentação ou refeição não é uma obrigação legal do empregador. A não ser que haja um ajuste prévio em norma coletiva, inclusive às empresas que adotem o Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT).
Hélia Gonçalves, gerente administrativa financeira da Câmara de Dirigentes Lojistas de Goiânia (CDL Goiânia), base operadora do SPC Brasil em Goiás, observa que a venda do vale alimentação ou refeição é uma prática comum entre os trabalhadores, que querem aumentar a renda pessoal. Mas a gerente ressalta que, além de ser uma falta grave e gerar a justa causa, trocar o benefício por dinheiro é um mau negócio.
Isso porque, esse tipo de vale sempre é vendido por valor menor e o trabalhador acaba perdendo parte do benefício. Segundo explica Hélia, os beneficiário têm a falsa impressão que esse tipo de vale não é dinheiro. Mas ela diz, porém, que o ticket faz parte da renda do trabalhador e, se usado com sabedoria, pode ser um recurso financeiro a mais.
“O trabalhador pode estipular metas diárias de gastos, escolher restaurantes mais baratos, por exemplo, respeitar esse limite e acompanhar o saldo do benefício. Assim, é possível que ele utilize o valor restante do benefício em finais de semana, com a família, por exemplo, sem precisar vender o vale para ter dinheiro em mãos”, orienta a gerente.
Motivos
O levantamento demonstra que há uma série de razões para explicar esse comportamento de vender o ticket refeição, todas elas ligadas de alguma forma a necessidade de consumir ou aumentar a renda pessoal. Na avaliação dos próprios entrevistados, 29% tomam essa atitude para complementar a renda e 25% para realizar compras no dia a dia. Outros 22% o fazem para pagar contas ou dívidas e 22% poupam o dinheiro que recebem em troca.
O mesmo estudo ainda mostra que parte considerável dos trabalhadores não exerce qualquer controle sobre o uso do vale refeição ou vale alimentação. Mais de um terço dos consumidores (36%) não costuma analisar os gastos que fazem com esse benefício contra 39% que são mais cuidadosos nesse sentido.
Reflexo dessa falta de controle, muitos chegam ao fim do mês com o saldo do ticket refeição zerado. De acordo com o levantamento, 17% dos consumidores extrapolam com frequência o valor que recebem por mês e 21% as vezes incorrem nesse tipo de comportamento. Os que sempre gastam o valor dentro do limite estabelecido somam 39% da amostra. Em cada dez que extrapolam o valor do vale refeição, três (30%) justificam que a quantia recebida é muito baixa se comparada ao preço médio dos restaurantes na região em que trabalham.
Outra constatação é que 49% dos entrevistados gastam, ainda que ocasionalmente, o valor do ticket refeição com outras finalidades além do almoço nos dias de expediente, como café da manhã e lanches em padarias, saídas aos fins de semana, entre outros gastos relacionados ao lazer, e por isto o valor acaba antes do fim do mês. (Com informações da CNDL)